O efeito sombra

Se olharmos para uma paisagem com atenção, podemos ter a sorte, ou o azar, de ver a sombra de cada um dos pequenos elementos que a compõem. Isso se houver sol, dirão. Ou não... Mais ou menos descoberto, o sol está lá sempre, com a sua luz mais ou menos intensa a incidir sobre as árvores, as flores, as ervas, as casas, as igrejas, os muros, as pontes, as pessoas. E dependendo da hora, conseguimos decifrar diferentes tipos de sombra, mais ou menos definidos.

Há pessoas que conseguem apenas ver as sombras. Por mais voltas que dêem aos novelos, não conseguem nunca ver o seu lado mais luminoso, parece que estão num movimento permanentemente contrário àquele que os levaria a ter pelo menos alguns segundos de luz. E nem se apercebem que estão de costas viradas para ela, a fazer sombra a si próprias e, como se não bastasse, a fazer sombra aos outros. E não é aquela sombra deliciosa do verão, que buscamos quando o calor está tão intenso que nos suga a energia. É uma sombra sombria, redundâncias à parte, que nos arrasta para um precipício tão fundo, que dificilmente veremos qualquer raio de luz.

É engraçado ver a sombra a arrastar-se, lentamente, fazendo diferentes desenhos, dando-nos diferentes perspetivas de um mesmo objeto e infinitas possibilidades de interpretarmos e reinterpretarmos a mesma realidade. Quem disse que as sombras são sempre más?

Gosto particularmente do tipo de pessoa que consegue desfiar todo o novelo, do princípio ao fim, sem encontrar luz uma única vez. Acho uma verdadeira façanha. Quase heróica:

- Como é que consegue? - perguntaria eu, se não tivesse demasiado medo de me deixar envolver por tamanho ensombramento! Não haverá nem um pontinho de luz no meio de tanta linha? Não conseguirá virar-se só um bocadinho e ver de outra perspetiva? Será assim tão reconfortante ensombrar-se continuamente, deleitar-se com a sombra da sombra que em si próprio habita? Que prazer sombrio!